Terra Prometida e os Adágios da Mentira

 

Entre o poema e a profecia: a escuta crítica de um tempo perdido

 

Por Hiran de Melo

 

Introdução

 

Vivemos em um tempo em que a mentira se tornou linguagem comum, e o sagrado, um palco para heresias legitimadas. A busca por sentido esbarra em slogans, mitos reciclados e falsos profetas. Neste contexto, o poema "Terra Prometida" encontra eco e contraponto no texto “Celebrando o Dia da Mentira – Adágios”, de Mestre Melquisedec. Em estilos distintos — poesia simbólica e prosa reflexiva —, ambos os autores nos convidam a um mesmo lugar: o limiar entre a lucidez crítica e a desesperança resignada.

 

Mentiras que moldam mitos

 

Mestre Melquisedec inicia sua meditação com uma verdade incômoda: fomos educados em lendas, invenções e metáforas — e é mais fácil acreditar na mentira do que na verdade. O que ele chama de “nó cego” do poder é sustentado por sacerdotes, governantes e os “senhores dos Anéis”, numa clara alusão ao uso político da fé e da fantasia.

 

Essa denúncia ressoa com força no poema, cuja “terra prometida” já não é mais lugar de salvação, mas de martírio:

 

Na terra prometida / Viver e morrer crucificado

 

A promessa se converte em farsa; a fé, em ilusão. Tanto o poeta quanto o mestre olham para o mundo contemporâneo e veem não libertação, mas cruz — não redenção, mas repetição do erro.

 

A morte do herói e o silêncio do Messias

 

No texto de Melquisedec, o “mito brasileiro” é apresentado como um herói bandido — uma caricatura construída para manter o povo em torpor. O mesmo se vê na crítica ao governador que escolhe como modelo um “salvador argentino”. A ironia aqui é contundente: salvadores de mentira servem a mentiras de poder.

 

O poeta responde profundamente à mesma sensação:

 

“Sorriam Bons Dias / Chorem Messias”


“Profetas e profecias / Pastores e heresias”

 

A inversão dos signos é clara. O sorriso banaliza a dor. O Messias chora. A heresia se disfarça de profecia. A verdade torna-se o avesso da aparência. E o povo, desacostumado a escutar, segue como ovelha, como alerta Melquisedec:

 

“Mais simples é fechar os olhos e seguir como ovelhas, né?”

 

Razão, escuta e a névoa do presente

 

Ambos os textos têm consciência do fracasso moderno da razão. A Era das Luzes prometeu clareza, mas as guerras e o sangue derramado borraram as nuvens de vinho tinto. A crítica não é à razão em si, mas à sua aplicação instrumental, desprovida de escuta ética.

 

O poema traduz isso em versos cortantes:

 

“Razão, tudo é régua / Ilusão, tudo é névoa”

 

A régua da razão mede, mas não compreende. A névoa da ilusão esconde, mas fascina. Estamos entre medidas e miragens, entre o cálculo e o caos.

 

Melquisedec aponta uma saída: escutar. Ele lembra que o primeiro mandamento do Livro Sagrado é “ouvir”. Antes de amar, é necessário escutar. Mas escutar exige silêncio, reflexão, esforço — e isso é mais difícil do que repetir mentiras ou seguir ordens.

 

A última vela: esperança ou exílio?

 

Mesmo mergulhados no desencanto, os dois autores deixam uma fresta de luz. Melquisedec afirma:

 

“Todas as velas podem ser apagadas, exceto a da esperança”.

 

Já o poeta, mesmo sem mencionar esperança de forma direta, sugere que há um “recado” em tudo:

 

“Tudo é recado / Nada é pecado”

 

O verso é ambíguo. Pode soar como resignação niilista, mas também como abertura simbólica: se tudo é recado, há algo a ser lido, ouvido, compreendido. O erro, o caos, a dor — são mensagens, não sentenças.

 

Conclusão

 

“Terra Prometida” e “Adágios” são mais que críticas isoladas ao presente. São documentos espirituais de um tempo em colapso, textos que denunciam e ao mesmo tempo acenam para uma possibilidade: a de que, mesmo nas ruínas da mentira, a verdade possa ser redescoberta por aqueles que escutam — em silêncio, em reflexão, em lucidez.

 

No fim, resta-nos a escolha: manter a vela acesa ou apagar-se com o vento.

 

Referências:

 

Poeta Hiran de Melo

https://poetahiran.blogspot.com/2025/01/album-inteiro-e-verdadeiro-faixas-05-e.html

 

Mestre Melquisedec

https://aberturaaodialogo.blogspot.com/2025/04/celebrando-o-dia-da-mentira-adagios.html

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