Na brisa
Eu flutuo, relaxo, descanso
Ela me trás teu cheiro, teus risos
Tuas poesias que ficavam a recitar
Aos últimos raios que costumávamos aproveitar.
Recordo-me de nosso lar
E de nossas reuniões ao crepúsculo
E a brisa a espalhar por todo o ar
O cheiro da hortelã, dos bolinhos e das rosas
Com muitas cores a contemplar.
Na brisa
Eu perco-me, desespero-me, enlouqueço
Ela me trás teus sussurros, teus gritos
Tuas mágoas e desequilíbrios que ficavas a desabafar
Apenas escuto a tua doce voz,
a voz que vem a me assombrar
a voz que rasga os meus sonhos, e não me deixa
respirar
E nunca vem me visitar, chega apenas para me lembrar
que é o responsável por me isolar.
THALITA FARIAS HERNESTO DO RÊGO
Simples palavras a respeito da imensidão que se enxerga a partir da janela poética aberta por Thalita.
Por Hiran de Melo
A
poetiza Thalita não costuma nomear seus poemas. A poesia que se inicia com a expressão
na brisa, também não possui nome. “Na brisa” constrói-se como um
movimento de ida e retorno entre leveza e vertigem, onde a memória não é
simples recordação, mas uma força viva que atravessa o corpo e o afeto. A
brisa, elemento central do poema, não atua apenas como cenário natural: ela é a
própria dinâmica da experiência, ora acolhedora, ora inquietante, conduzindo o
eu lírico entre o descanso e o desespero.
Percebe-se
que o poema não se limita à nostalgia sentimental. A memória aqui não é um
refúgio passivo, mas uma potência que insiste, que retorna e que exige ser
enfrentada. O passado não está morto; ele sopra. E ao soprar, reconfigura o
presente, afetando o corpo, o fôlego, o ritmo da existência.
Na
primeira parte, a brisa é suave, quase dionisíaca em seu convite ao abandono:
flutuar, relaxar, descansar. O amor aparece como criação compartilhada — risos,
poesias recitadas, encontros ao crepúsculo. O lar descrito não é apenas um
espaço físico, mas uma forma de habitar o mundo, marcada por aromas, cores e
rituais simples. Tudo isso expressa uma afirmação da vida em sua dimensão
sensível: o prazer do instante, a intensidade do convívio, a alegria que se
ancora no corpo e nos sentidos.
Entretanto,
essa mesma brisa se transforma. O que antes embalava passa a desestabilizar. O
eu lírico não controla mais o fluxo das lembranças; ele se perde nelas. Essa
mudança revela um aspecto fundamental da existência: aquilo
que nos constitui também pode nos ferir. O amor, enquanto força
afirmativa, não é isento de risco. Ele cria, mas também expõe à dor. A brisa
torna-se, então, o símbolo dessa ambiguidade da vida — força
que anima e, ao mesmo tempo, dilacera.
Na
parte final do poema, a voz amada deixa de ser presença e torna-se espectro.
Não há encontro, apenas assombro. A memória já não aquece; ela oprime, isola,
sufoca. Aqui se evidencia uma tensão central: quando
o passado domina o presente, a vida perde sua capacidade de expansão. O
eu lírico não sofre apenas pela ausência do outro, mas pela impossibilidade de
transformar essa ausência em nova criação.
Nessa
perspectiva, o poema revela uma luta silenciosa entre duas atitudes diante da
existência. De um lado, a entrega ao fluxo da vida, com seus aromas, cores e
afetos; de outro, a fixação em uma lembrança que paralisa. A brisa, sempre a
mesma e sempre diferente, encarna esse conflito: ela não escolhe, apenas passa.
Cabe ao sujeito decidir se ela será impulso para a dança ou vento que
aprisiona.
Assim, “Na brisa” convida o leitor a amar a poesia não por oferecer consolo fácil, mas por expor com delicadeza a complexidade do viver. O poema nos lembra que amar é também correr o risco de enlouquecer, e que lembrar pode ser tanto um gesto de afirmação quanto uma armadilha. Sua força está justamente nessa honestidade trágica: ao invés de negar a dor, ela a transforma em canto — um canto que sopra, insiste e continua a nos interpelar.
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