Diálogo entre Pike e Foucault sobre o Grau 14 do REAA
Por Hiran de Melo
Personagens
simbólicos:
- Pike – representa a
visão filosófica e espiritual tradicional do Grau 14.
- Foucault – traz uma leitura crítica, mostrando
como o saber simbólico também molda condutas e subjetividades.
Dentro de uma Loja de Perfeição
Pike:
Meu irmão Foucault, chegamos ao Grau 14, chamado de Grande Eleito, Perfeito
e Sublime Maçom. Este grau encerra os chamados Graus Inefáveis e marca a
reconstrução do templo interior. Aqui, o iniciado não apenas busca a luz, mas a
encontra dentro de si. É a consagração de uma jornada espiritual.
Foucault:
Interessante, Pike. Mas eu observo que esse discurso não é apenas espiritual.
Ele também disciplina. O Grau 14 ensina como o maçom deve pensar, sentir e
agir. É uma forma de moldar identidades. O iniciado passa a se vigiar, a se
reconstruir segundo um modelo idealizado pela Ordem.
Pike:
Concordo que há disciplina, mas não como imposição externa. É uma disciplina
voluntária, fruto da busca pela perfeição interior. Platão já dizia que a
verdade está dentro de nós, apenas esquecida. O Grau 14 é o momento em que o
maçom recorda essa verdade e se reconcilia com o Nome Inefável de Deus.
Foucault:
Sim, mas veja: ao dizer que a perfeição está no interior, o poder se torna
invisível. O iniciado acredita estar livre, mas na verdade está seguindo normas
simbólicas. Ele se torna “livre” dentro dos limites de um ideal construído pela
tradição. É o que eu chamaria de produção de subjetividades.
Pike:
Mas não é isso também o caminho da virtude? Aristóteles ensinava que a
felicidade vem da prática da virtude. O Grau 14 propõe exatamente isso: que o
maçom alcance sua realização ao viver com sabedoria, justiça e moralidade. Não
é prisão, é libertação.
Foucault:
Libertação disciplinada, meu irmão. O templo reconstruído é símbolo da alma
purificada, mas também é uma arquitetura moral que organiza a vida do iniciado.
Cada símbolo — o Triângulo, a Luz Perfeita, o Nome Inefável — funciona como um
dispositivo pedagógico. Ensina, corrige, orienta. É poder espiritualizado.
Pike:
E não é belo que esse poder se manifeste como luz? O iniciado, ao alcançar este
grau, vê com os olhos do espírito. Ele compreende que ser perfeito não é não
errar, mas crescer com os erros. É amar, agir com justiça, buscar a verdade.
Isso é ser templo vivo do Grande Arquiteto do Universo.
Foucault:
É belo, sim. Mas também é estratégico. O Grau 14 transforma o controle em
iluminação, e a obediência em liberdade. O iniciado acredita que escolhe, mas
sua escolha já foi moldada pelo discurso simbólico. É uma tecnologia de si: ele
se governa sozinho, segundo o ideal que lhe foi transmitido.
Pike:
Talvez, irmão, seja justamente aí que reside a força da Maçonaria. Ela não
impõe pela força, mas inspira pela luz. O Grau 14 não é um troféu, é uma
promessa. Ele nos lembra que a jornada continua e que devemos abrir caminho
para os que virão.
Foucault:
E eu diria que essa promessa é também um dispositivo de continuidade. O
iniciado nunca chega ao fim: está sempre em busca, sempre em reconstrução. Isso
mantém viva a disciplina e o compromisso. A liberdade, aqui, é caminhar dentro
de um roteiro simbólico cuidadosamente construído.
Pike:
Então, irmão, podemos concluir que o Grau 14 é tanto espiritual quanto
disciplinar. Ele é síntese: reconciliação com o divino e formação de uma
identidade ética. Seja pela luz ou pelo poder simbólico, o iniciado se torna
maior do que era antes.
Foucault:
Sim, Pike. No fim, o Grau 14 mostra que ser maçom é viver em constante
transformação. É ser livre dentro de um caminho, e perfeito dentro de uma
busca. O templo é interior, mas também é social: molda o indivíduo e fortalece
a Ordem.
Conclusão
O
diálogo entre Pike e Foucault revela duas dimensões do Grau 14:
- Espiritual e filosófica (Pike):
reconciliação com o divino, iluminação interior, construção do templo
vivo.
- Crítica e disciplinar (Foucault):
produção de subjetividades, autogoverno, poder espiritualizado que molda
condutas.
Para
o maçom, a lição é clara: o Grau 14 é um compromisso de transformação contínua.
Ser Perfeito e Sublime é caminhar todos os dias rumo à verdade, à
justiça e à luz — sabendo que essa jornada também nos disciplina e nos
fortalece como irmãos.
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