O Testemunho do Não

Reflexões sobre o limite, o desejo e a lição do tempo

Por Hiran de Melo

Tive um padrinho — Mestre Maçom Afrânio de Aragão, já partiu — que me ensinava uma regra curiosa da vida: “Diga sempre não. Porque é mais fácil, depois de pensar bem, transformar um não em sim do que o contrário”.

Na época, eu não compreendia o alcance desse ensinamento. Mas hoje percebo que os “nãos” e os “sins” da infância — os limites e as permissões — são os primeiros tijolos da construção interior. São eles que moldam o nosso modo de desejar, de obedecer, de resistir. Mais tarde, voltam em forma de reflexão, e às vezes até de busca por entendimento.

Recentemente vi um vídeo: vizinhos discutindo, gritos, intolerância. Tudo começou por causa de um ruído — talvez involuntário, talvez não. E percebi: ninguém foi preparado para receber um não.

Desde cedo, aprendemos apenas a obedecer — à voz da família, da escola, da autoridade.

Mas o que acontece quando essa autoridade desaparece?

Como agir quando estamos entre iguais — sem hierarquia, sem medo, apenas com o espelho do outro diante de nós?

É aí que a disciplina de outrora perde seu sentido. E nasce a necessidade de compreender, não de impor.

Fala-se muito em “ressignificar”, mas talvez isso só se aplique às sociedades em que a disciplina foi imposta sem alma, sem tradição.

Nos povos em que o respeito é natural — parte viva da cultura — o sentido dos gestos e das palavras já está firmado no coração. Não há o que reinventar.

Quando a maturidade chega, o dilema muda de nome, mas é o mesmo: seguiremos o caminho da segurança ou o da satisfação do desejo?

E como já se disse — a causa do nosso desejo sempre escapa à razão. É nesse mistério que mora a inquietação humana, e talvez também sua beleza.

No fim, o tempo nos devolve os conselhos que não ouvimos. E então, com um sorriso que mistura arrependimento e sabedoria, dizemos a nós mesmos: “Eu teria amado mais. Teria me entregado mais. Teria ouvido mais...”.

Mas o futuro do pretérito nunca se realiza.

O que resta é o aprendizado — e o testemunho de quem tenta transformar o “teria” em “ainda posso”.

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