Da Era do Desejo à Era da Dor
Poeta Hiran de Melo
Houve um
tempo em que o desejo guiava meus passos. Não como promessa, mas como impulso —
um farol aceso sobre mares desconhecidos. Eu caminhava sem mapa, sem destino
traçado, movido apenas pelo afeto. Era o corpo que buscava outro corpo, a
palavra que ansiava por resposta, o gesto que se lançava sem pedir permissão.
Os encontros eram breves, intensos, muitas vezes silenciosos. Presenças que se
confundiam com ausência, toques que não sabiam traduzir o que sentiam. O desejo
não esperava. Ele chegava, tomava, partia — sem saber se deixava rastro ou ternura.
Com o tempo,
esse artesão silencioso, meus contornos foram sendo redesenhados. E hoje,
reconheço que sou de outro tempo. Um tempo em que o que nos move é a dor. Não a
dor que castiga, mas a dor que revela. Ela nos convida a parar, a escutar com o
coração aberto, a perceber o espaço entre o que sentimos e o que conseguimos
dizer. Ensina que o verdadeiro encontro não acontece no prazer imediato, mas na
escuta generosa, na presença que acolhe sem exigir retorno.
Na era da
dor, há mais luz. Não a luz dos holofotes, mas aquela que brilha suave, como
lanternas que carregamos uns pelos outros. É um tempo de menos pressa, de mais
cuidado. De menos conquista, de mais comunhão. O desejo, agora, é quase um
sussurro. Não porque se apagou, mas porque aprendeu a se calar diante da dor do
outro. Se ainda vive, é como uma brisa que não quer ser vendaval. É como um
silêncio que pede escuta, com ternura.
Quando penso
em você, lembro daquele instante em que desejei caber melhor nos seus braços.
Quis torná-lo infinito. Mas não o tornei. Ainda assim, essa lembrança me visita
sem remorso. Ela vem com a serenidade de quem sabe que não poderia ter sido
diferente. Fui obra de uma era — a era dos desejos indefinidos. Se tudo
ocorresse de novo, nas mesmas condições, tudo seria igual. Lamentavelmente
igual.
Mas se fosse
possível lhe encontrar outra vez, na era da dor, agora sim, eu saberia. Saberia
lhe amar com mais delicadeza, com mais verdade. Porque buscaria realizar meu
desejo na escuta dos seus olhos, na ternura dos seus gestos, naquilo que você,
com doçura, me revelasse.
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