Quando se está só

Quando se está só,
O deserto do coração se revela.
A sede não é apenas de água,
Mas de sentido, de presença, de luz.

Quando se está nu,
Não é o corpo que clama por vestes,
Mas a alma que implora por esperança.
E assim, até o mais simples pano
torna-se veste de realeza.

Quando se caminha em solidão,
Um sopro de palavra já é música,
Um olhar já se ergue como templo,
E até o vazio se enche de amor.

Na ausência se descobre o valor do pouco,
E no pouco se encontra a grandeza do todo.

Mestre Melquisedec

Análise filosófica e poética

Por Hiran de Melo

O poema toca uma das questões mais centrais da filosofia de Martin Heidegger: a experiência do ser no vazio. A solidão, descrita como “deserto do coração”, aproxima-se daquilo que Heidegger nomeia como o confronto do homem com o nada — momento em que as máscaras da cotidianidade caem e o ser é lançado diante de sua própria finitude. Estar só, aqui, não é mera falta de companhia, mas uma revelação da essência: a alma, despojada de adornos, busca não apenas abrigo material, mas um “manto de esperança”, símbolo da necessidade de sentido.

O poema, contudo, não se encerra na angústia. Ele se abre ao milagre da transfiguração: o pouco se torna grande, o trapo veste de realeza, a palavra vazia se converte em música. Essa transformação ecoa a poesia de Tom Jobim, que sempre soube cantar a simplicidade como fonte de beleza e eternidade. Tal como na canção que enxerga no “pingo de chuva” a promessa de um rio, ou no gesto corriqueiro a revelação do infinito, o poema encontra no mínimo — no olhar, no sopro, no silêncio — a plenitude do ser.

Assim, o texto une a profundidade filosófica do pensamento heideggeriano à delicadeza musical de Jobim: do vazio brota o sentido; do pouco, o todo; e da solidão, um canto que se faz amor.