Quando Decidi Ficar

 

Querida,

 

Por muito tempo, vaguei entre a incerteza, alma e mãos cheias de dúvidas. Carregava silêncios que pesavam como gritos.

 

Então te vi. De longe. Teu olhar escondia mais do que mostrava, teu sorriso recuava. Mesmo assim, soube que algo em ti chamava o que ainda resistia em mim.

 

Não cheguei com promessas vazias, pois entendi que acolher é gesto calmo, tempo sem pressa, toque que não exige.

 

Ficar foi mais que escolha; foi reconhecimento. Foi saber que em ti havia um canto seguro para minha alma descansar.

 

Quando segurei tua mão, pedi silêncio ao mundo, apenas para ouvir teu riso e ver teus olhos desatando nós de dor. Você não era ferida, mas um jardim a florescer. E eu, apenas reguei.

 

Dizes que fui luz, mas apenas acendi o que já morava em ti. Teus dias dançam porque tua alma sempre teve música. Eu só me aproximei para escutá-la.

 

Juntei teus pedaços com a delicadeza de quem reconhece, pois também sou feito de partes quebradas. Cuidar de ti foi cuidar de mim.

 

Quando vi teu sorriso nascer, sem pressa, compreendi: ficar é mais que estar, é entregar-se.

 

Hoje, quando teus olhos me alcançam como se eu nunca tivesse ido, sorrio em silêncio. Tudo o que sentes, eu também sinto.

 

Se me guardei, foi por falta de coragem. Mas ela chegou no instante em que ouvi meu peito ser chamado de lar.

 

Foi aí que meu coração aprendeu a bater direito: no momento em que você me deixou ficar.

 

Com todo o meu afeto, de quem nunca mais quis partir.

 

Poeta Hiran de Melo

 

Depoimento — “Quando Decidi Ficar”

Escrevi este poema como quem narra um acontecimento que me atravessou. Não falo de um simples “ficar” como presença física, mas de uma decisão que abriu espaço para algo que já estava em gestação dentro de mim. Percebi que não se tratava de salvar ninguém, e sim de suspender a pressa, de calar um pouco minhas próprias ansiedades, para que o outro pudesse se revelar no seu próprio tempo. Nesse gesto, passei da errância solitária ao habitar em comum, do isolamento ao vínculo que me constituiu.

 

Da errância ao abrir-se


Eu carregava silêncios que gritavam dentro de mim. A transformação não veio de esforço, mas do simples ato de olhar — de longe — e de calar. Pedi silêncio ao mundo para ouvir o riso dela. Foi nesse espaço vazio que algo pôde, enfim, se desvelar.

 

O encontro como reconhecimento


Não busquei fusão nem domínio. Quando digo “ficar foi reconhecimento”, refiro-me a permitir que o outro seja. Havia mistério no olhar e no sorriso, e eu precisei respeitar esse recuo. O mais íntimo nasce justamente dessa proximidade que não captura.

 

O cuidado como gesto sem pressa


Percebi que acolher não é promessa, nem projeto. É tempo que não exige, toque que não cobra. Escutei, apenas escutei, como quem acompanha um sentido que já brota por si mesmo.

 

O jardim em lugar da ferida


Ao escrever “você não era ferida, mas um jardim”, quis dizer que não vi carência, mas potência. Eu só reguei o que já florescia. Não determinei o rumo do crescimento: apenas ofereci condições para que viesse à presença.

 

Cuidar de ti foi cuidar de mim


Nesse movimento, percebi minhas próprias quebras. Juntar os pedaços dela foi também reconhecer os meus. O cuidado não nos isola em papéis de salvador e salvo: ele nos revela como co-originários, parte de uma mesma tessitura.

 

Ficar é mais que estar


Ficar, para mim, foi entregar-se ao risco da reciprocidade. Não se trata de romantismo ingênuo, mas de assumir a vulnerabilidade de ser afetado. Quando digo “tudo o que sentes, eu também sinto”, falo de compaixão no sentido pleno: deixar-me atravessar.

 

O peito chamado de lar


A coragem só veio quando percebi que meu coração podia ser nomeado “lar”. Não um endereço, mas um tempo compartilhado. Meu coração aprendeu a bater direito ao se ritmar com o dela.

 

A linguagem que sustenta


Procurei uma escrita simples, sem adornos desnecessários. Usei verbos pequenos — regar, escutar, ficar — porque eles guardam a sobriedade do gesto. As imagens — jardim, música, nós que se desfazem — não pretendem encerrar sentidos, mas abrir espaços para que cada leitor se reconheça nelas.

 

Por fim


No fim, percebi que escrever este poema foi também aprender que compreender é cuidar. Ficar não é conquista, mas consentimento. É habitar com, partilhar uma clareira onde o riso do outro pode florescer sem ser apropriado. Ao cuidar dela, cuidei de mim. E é nesse movimento de reciprocidade que encontro a verdade mais simples: o amor não fabrica o ser, apenas o liberta.

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