A Verdade e a Retórica

Eu li o texto do irmão Luís e me veio a seguinte reflexão: as vezes algumas pessoas me enviam fichas de cadastro para eu me filiar em alguns partidos políticos. Quando a ficha não é do PCdoB aí eu envio uma ficha do meu Partido.

Alguns me respondem, mas eu sempre respeito a opinião deles; todavia eu mantenho a minha opinião pois é a que eu vivo. Assinar uma ficha de filiação não significa absolutamente nada quando a pessoa não é aquilo que diz ser.

Ora, a Verdade é a Verdade e a retórica é a retórica. Então não basta ir ao Cartório e se filiar a um partido pois a Verdade é o espelho daquilo que a pessoa realmente é.

Então para eu não me colocar na retórica, posso dizer que são poucos a afirmar: Sou Comunista.

Jivago de Azevedo Chaves – Mestre Maçom

 

Breve Consideração

Por Hiran de Melo

Vamos trabalhar o texto do irmão Jivago com base na filosofia de Martin Heidegger, segundo a leitura hermenêutica de Oswaldo Giacóia, e conectá-lo à vivência maçônica — especialmente no que toca à Verdade e à Autenticidade.

1. O pano de fundo heideggeriano

Para Heidegger, segundo Giacóia, a Verdade (aletheia) não é simplesmente “dizer o que é verdadeiro” no sentido lógico ou científico, mas um desvelamento (des-ocultação) do ser. A questão central não é só “afirmar algo correto”, mas viver de modo que o ser se manifeste sem disfarces.

a Autenticidade (Eigentlichkeit) diz respeito ao modo como o ser humano (o Dasein, o “ser-aí”) assume a própria existência, não se deixando conduzir apenas pelo “falatório” (Gerede) ou pelas convenções, mas respondendo de forma consciente ao chamado do seu próprio ser.

2. O texto de Jivago à luz dessa filosofia

O irmão parte de um exemplo concreto — fichas de filiação partidária — para falar de algo mais profundo: não basta declarar uma filiação se a vida não confirma o que se diz.
Em termos heideggerianos, essa diferença é a distinção entre:

Retórica o mundo do falatório, onde as palavras circulam desligadas de uma vivência real.

Verdade a manifestação coerente entre o que se diz e o que se é, ou seja, um desvelar autêntico do próprio ser.

Quando ele afirma “a Verdade é o espelho daquilo que a pessoa realmente é”, está ecoando a ideia de que a verdade não é só adequação entre mente e realidade, mas a exposição sem máscaras daquilo que se é na própria existência.

3. Autenticidade e compromisso existencial

Na hermenêutica de Giacóia, viver de forma autêntica é não terceirizar a própria decisão de ser.

O ato de “assinar uma ficha” é simbólico: pode ser mero rito externo, um papel que confirma apenas uma aparência social. Mas autenticidade não é papel assinado — é assumir, no modo de viver, a responsabilidade pelo que se afirma ser.

Assim, o irmão ressalta que poucos afirmam “Sou Comunista” e vivem como tal. Esse “poucos” é uma constatação sobre o quão raro é escapar do falatório e entrar no campo da vivência autêntica.

4. Pontos de ligação com a vivência maçônica

Para um maçom com formação superior, essa leitura convida a refletir que:

Na Maçonaria, a palavra empenhada deve refletir a vida vivida.

O juramento maçônico, assim como a “ficha” do exemplo, só tem valor se houver coerência existencial.

O trabalho interno do maçom é justamente superar a retórica e buscar a verdade como desvelamento, mostrando no cotidiano a mesma integridade que proclama no Templo.

5. Síntese

Em termos heideggerianos:

Verdade (aletheia) desvelamento do ser, vida coerente com a essência.

Retórica (Gerede) fala vazia, desconectada do viver.

Autenticidade (Eigentlichkeit) assumir o próprio ser e vivê-lo plenamente, sem esconder-se na neutralidade impessoal do todo mundo.

O texto de Jivago é, nesse sentido, um chamado à autenticidade: não basta portar o título ou assinar a ficha; é preciso ser, de fato, aquilo que se declara.

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