Silêncio
Entre os Toques
Por Jivago de Azevedo Chaves
O
compasso gira torto?
A régua
finge medir?
E o que
corta com firmeza
Tem seu
passo a refletir.
Há mãos
que guiam o corte,
Por
trilhas de leve tocar?
E
sombras que, discretas,
Preferem
só observar.
Mas a
pedra que se cala,
Mesmo
posta na imensidão,
Será
coluna erguida
No
altar da perfeição.
Breves Considerações
Filosófico-Simbólicas sobre o Poema “Silêncio Entre os Toques”
Por Hiran de Melo
Introdução
O poema de Jivago
de Azevedo Chaves utiliza símbolos operativos (compasso, régua,
corte, pedra) para construir uma meditação sobre a tensão entre ação e
contemplação, medida e mistério, precisão e silêncio. Trata-se de um poema que,
sob uma leitura simbólica, toca diretamente a alma maçônica e filosófica do
iniciado, sobretudo quando interpretado à luz da tradição esotérica de Albert
Pike e da metafísica existencial elaborada por pensadores como Nietzsche,
Kant
e Heidegger,
nos moldes da hermenêutica contemporânea de Giacóia Jr.
1ª Estrofe
O compasso gira torto?
A régua finge medir?
E o que corta com firmeza
Tem seu passo a refletir.
Análise
Filosófica e Simbólica:
O questionamento
inicial — “O compasso gira torto?” — confronta
diretamente a confiança na exatidão dos instrumentos. À semelhança da crítica
de Kant
à razão pura, há aqui um convite à desconfiança quanto à objetividade das
formas com que medimos o mundo. A régua que finge medir
evoca a limitação de toda linguagem e técnica: aquilo que parece preciso pode
ser, em essência, falho.
Essa desconfiança é
coerente com a crítica de Nietzsche à moral e à
verdade dogmática: o corte firme (ação decidida) é posto em suspensão. “Tem seu
passo a refletir”
lembra ao iniciado que até a mais firme lâmina deve ser precedida pelo silêncio
da introspecção — a pausa entre os toques, onde a
consciência se purifica para que a ação não seja apenas reativa, mas criadora.
Conforme ensina Albert
Pike, “a régua pode medir, mas não define o espírito; o
compasso pode traçar, mas não impõe direção à alma.” O verdadeiro caminho do
Iniciado está no questionamento e no autodomínio.
2ª Estrofe
Há mãos que guiam o corte,
Por trilhas de leve tocar?
E sombras que, discretas,
Preferem só observar.
Análise
Filosófica e Simbólica:
Nesta estrofe, o foco
recai sobre a ação oculta. As mãos que guiam são
metáfora da vontade silenciosa, que atua por trás das
aparências, assim como o Dasein em Heidegger
age dentro da realidade, mas nunca se confunde com ela. É uma ação “de leve tocar”, ou seja, sutil, quase imperceptível,
como o trabalho interno do maçom em sua lapidação pessoal.
As sombras que observam, por sua vez, remetem à ideia de testemunho
silencioso, à função do olhar contemplativo. Em linguagem
iniciática, são os vigilantes internos — partes de nossa consciência que não
atuam, mas julgam e registram. Evoca-se aqui também o símbolo do Silêncio,
tão presente nas primeiras instruções do Aprendiz Maçom.
Nietzsche, nesse
ponto, falaria do “espírito livre” que observa sem a ânsia de dominar; Heidegger,
da escuta do “chamado do ser”. O toque leve, o silêncio e o olhar discreto
compõem o verdadeiro modo de habitar o mundo, como sugere Giacóia
ao interpretar Heidegger: “mais do que agir sobre o mundo, o ser humano é
chamado a escutá-lo”.
3ª Estrofe
Mas a pedra que se cala,
Mesmo posta na imensidão,
Será coluna erguida
No altar da perfeição.
Análise
Filosófica e Simbólica:
Aqui, temos a apoteose
do símbolo da Pedra — silenciosa, mas promissora. A “pedra
que se cala” é a alma do Iniciado que, mesmo diante do
caos da existência (imensidão), mantém-se firme, humilde e silenciosa. Em sua
quietude, ela é moldada pelo tempo e pelas circunstâncias — não pela força, mas
pela paciência e vigilância interior.
A ascensão da pedra à
“coluna
erguida no altar da perfeição” evoca a imagem final do
Templo: a perfeição espiritual não é dada, é construída. Remete à ideia de telos
kantiano — a finalidade moral do ser —, mas também à noção
nietzschiana do eterno retorno, onde a pedra, ao suportar
o peso da existência sem se desintegrar, torna-se digna da eternidade.
Albert Pike, ao
comentar o simbolismo da Coluna, dizia que ela “não apenas sustenta; ela
representa o esforço contínuo da alma que, mesmo imóvel, se eleva”. A pedra que
se cala não é passiva — ela se prepara para ser Coluna, isto é, um pilar
consciente do templo interior que todo maçom é chamado a
erguer.
Por enquanto
O poema “Silêncio
Entre os Toques” é uma meditação poética e simbólica sobre a
travessia do Iniciado. As imagens do compasso, da régua, do corte e da pedra
dialogam com a tradição maçônica, mas também com os
grandes temas da filosofia ocidental: a dúvida sobre o conhecimento (Kant), a
crítica aos valores fixos (Nietzsche) e a escuta do ser (Heidegger).
À luz de Albert
Pike, o poema revela que o verdadeiro trabalho do maçom não
é apenas agir com precisão, mas saber quando silenciar, observar e aguardar o
momento certo para agir. O "silêncio
entre os toques" é o espaço simbólico onde nasce o discernimento —
tão caro ao processo iniciático.
Como bem nos lembra a
Tradição, “todo
instrumento, por mais preciso que pareça, carece de um operador justo e de um
coração silencioso”.
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