Esperança apagada
De Hiran de Melo
Uma notificação me avisa da mensagem
Chegada no celular, de um lugar, demente
Na caixa trata-se de uma apagada
Mensagem enviada e negada
Arrependida, desviada, enlutada
Estanho uma ausência
No silêncio do nada, na minha idade
Despertar tanta ansiedade
No vazio de uma enorme carência
Melhor que ela não estivesse vindo
Para voltar tão rapidamente,
Deixando minha mente, meu corpo
Soltos, aflitos e descontentes.
Breves comentários
1. O cotidiano como abertura para o ser
O
poema começa com uma cena simples: uma notificação no celular. Um gesto comum,
repetido milhões de vezes por dia. Mas é justamente nesse instante trivial que
algo profundo acontece. Uma mensagem — que chega, mas se apaga — desencadeia
uma sensação de abandono, de perda.
"Uma notificação me
avisa da mensagem / Chegada no celular, de um lugar, demente"
Essa
"mensagem" não é só um texto que aparece e some. Ela representa uma presença
que quase se realizou, mas se desfez. A promessa de um encontro que se frustra.
O “lugar, demente” sugere um mundo sem direção — talvez um reflexo do modo como
vivemos hoje: conectados, mas desencontrados, num tempo em que tudo é rápido
demais para ser real.
2. A linguagem que falha — e revela
Há
no poema uma tentativa de dizer algo — e um recuo. A mensagem foi escrita, mas
apagada. Foi enviada, mas negada. O que deveria ser expressão se transforma em
silêncio.
"Mensagem enviada e
negada / Arrependida, desviada, enlutada"
Nesse
não-dito, algo essencial aparece: a retirada do que poderia ter sido. A
linguagem, que deveria aproximar, revela sua fragilidade. Mas é justamente
nesse silêncio que o poema ganha força. O que não se diz pesa mais do que
qualquer palavra.
3. Ausência, angústia e carência
O
centro do poema é um sentimento de falta — não apenas do outro, mas do sentido
que se perdeu com a ausência. A notificação apagada abre um vazio inesperado,
que não pode ser ignorado.
"Estanho uma ausência
/ No silêncio do nada, na minha idade / Despertar tanta ansiedade / No vazio de
uma enorme carência"
Esse
vazio não é só um instante sem resposta. É uma espécie de confronto íntimo com
o nada, com a solidão que se insinua mesmo entre conexões. A angústia nasce
daí: não da presença do outro, mas da sua interrupção abrupta, da promessa que
não se cumpre.
4. Comunicação digital e desconexão humana
O
celular, a mensagem, o toque que anuncia — tudo parece facilitar o contato. Mas
o poema mostra o contrário: a presença é instável, a relação se desfaz com um
gesto. O outro está sempre à beira de desaparecer.
A
tecnologia, que aproxima, também nos isola. Transforma sentimentos em dados
voláteis. O mundo parece mais conectado, mas a intimidade real é cada vez mais
difícil de manter.
5. Tempo curto, impacto profundo
"Melhor que ela não
estivesse vindo / Para voltar tão rapidamente"
A
passagem é breve, mas intensa. A mensagem chegou, mas se apagou rápido demais.
A esperança foi acesa só para ser extinta. E isso machuca mais do que se nada
tivesse acontecido.
O
tempo aqui não é cronológico, é vivencial. Um instante pode conter toda a ausência.
A expectativa, seguida da frustração, marca o corpo e a mente — como se a
presença incompleta fosse mais dolorosa do que a ausência total.
Por enquanto: um poema sobre o ser que não chega
“Esperança
apagada” não é só sobre uma mensagem deletada. É sobre a experiência de tocar
algo que não se deixa tocar. A frustração, o silêncio, o arrependimento — tudo
aponta para uma ausência mais funda: a retirada daquilo que poderia ter sido.
Como
diria Heidegger, o ser não se mostra plenamente. Ele se revela também em sua
ausência, nos gestos interrompidos, nas palavras não ditas. Este poema, sem
tentar explicar, nos coloca dentro dessa experiência — e por isso diz tanto.
Mestre Melquisedec
Descrição da
Ilustração
A
imagem representa uma notificação em um celular, simbolizando uma mensagem que
chega e desaparece rapidamente. Ela captura a sensação de abandono e perda
expressa no poema de Hiran de Melo.
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