A memória viva no templo que permanece aceso
Por Hiran de Melo
Creio que a mais verdadeira homenagem que se
pode prestar a um irmão maçom, cuja Páscoa se deu recentemente, é manter as
augustas oficinas em funcionamento — e não suspender os trabalhos, como é
costume em muitas obediências maçônicas.
Com as colunas erguidas e as luzes acesas,
torna-se possível realizar honrarias mais autênticas, formar cadeias de união
mais significativas. É nos rituais em andamento, na prática viva do ideal
maçônico, que o espírito daquele que partiu se faz presente com mais
intensidade.
Sentimos, com profundidade, o verdadeiro
sentido da vida quando nos reunimos em loja, sob a égide da Casa da Viúva. O
templo se torna, então, espaço não apenas de instrução, mas de comunhão e
eternidade.
Fechar a loja como sinal de luto contribui,
paradoxalmente, mais para o esquecimento do que para a lembrança. É preciso
reconhecer que, no silêncio de uma agenda vazia, os irmãos encontrarão novas
formas de preenchê-la — e, inevitavelmente, essas formas poderão afastá-los das
colunas futuras.
A presença se honra na continuidade. E a
ausência, quando cercada de sentido, permanece viva.
Mestre Martin Heidegger nos ensinou que a
existência humana é um ser-para-a-morte. A morte não é um fim qualquer — ela é
a revelação do limite que dá sentido à vida. Em vez de nos paralisar, ela nos
chama à autenticidade, ao compromisso com o que verdadeiramente importa.
Se faz necessário aceitar a finitude como
parte da jornada e dar continuidade ao projeto comum — a construção simbólica
do Templo interior e coletivo.
Fechar a Loja seria, nesse caso, uma negação
silenciosa da verdade da morte. Mestre Heidegger diria que isso nos lança no esquecimento
do ser. Já manter os trabalhos é habitar a memória de forma ativa, fazendo do
espaço maçônico um lugar onde a ausência se transforma em presença simbólica e
transcendida.
Vinicius de Moraes via a vida como passagem e
poesia. Para ele, o amor, a saudade, a dor e a celebração da existência estão
entrelaçados em um mesmo tecido: o humano. Em sua poética, a morte não é tabu —
ela é mais uma forma de amar.
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela
vida”.
Essa frase de Vinicius ecoa no meu coração: o
encontro dos irmãos, mesmo após a partida de um, é uma forma de afirmar a vida.
Celebrar a memória com rituais vivos é a arte de manter o vínculo e transformar
a ausência em um tipo mais sutil de presença — aquele que se faz nos gestos,
nos símbolos e nas palavras ditas em loja.
Assim como Vinicius escrevia para que seus
afetos não morressem, proponho que a loja não se cale — porque o silêncio
institucional pode apagar a memória mais rápido do que o tempo.
Esta reflexão nos convida a rever um costume
comum à luz de um pensamento mais profundo: o de suspender os trabalhos como
forma de luto. Mas, à luz do Mestre Heidegger, aprendemos que a presença do ser
se revela na continuidade da ação consciente; e com Vinicius, aprendemos que a
saudade só se transforma em poesia quando a vida segue — não como se nada
tivesse acontecido, mas como se cada gesto carregasse agora um novo sentido:
A memória se cultiva no que continua.
Portanto, talvez a melhor homenagem a um irmão
que partiu seja não parar o Templo, mas continuar sua construção com mais luz,
mais silêncio interior e mais fraternidade — exatamente porque ele partiu.
Hiran de Melo, Mestre Maçom
Instalado — À
sombra da Acácia, à Luz do Oriente.
Me tocou profundamente suas palavras.
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