Construindo e demolindo
fortalezas
Por Hiran de Melo
Lembro-me
de Dona Creusa, com seus 82 anos, apagando as luzes da sua casa. Apenas um fio
de luz trespassava a escuridão. Portas e janelas fechadas. Uma característica
comum àqueles que já viveram muito: construir barreiras, físicas e fictícias. A
casa própria, antes símbolo de liberdade, agora era uma fortaleza, uma prisão.
Escuto
uma jovem a anunciar que se permitirá a mais uma quebra de barreiras, vai
possuir uma tatuagem no corpo. Inscreve em sua pele a história de uma alma
rebelde, que mina estruturas e rasga véus. A juventude, um furacão que varre os
dogmas e impõe novos valores à humanidade. Os jovens, ávidos por destruir
fortalezas e derrubar muros, reais ou fictícios, impulsionam a humanidade em
uma constante transformação, descontruindo o antigo e construindo o novo.
Bom
ou ruim? Nenhum dos dois, apenas estágios do caminhar. Em breve os jovens
construirão suas fortalezas e chegarão à idade dos mais idosos.
A
dinâmica da construção dos impérios
Ao
contemplar as ruínas dos grandes impérios desaparecidos, constato o mesmo
fenômeno: um povo jovem e ambicioso, em busca de sua identidade, travava guerra
contra um povo antigo. Era preciso derrubar as muralhas do povo antigo. E o
império vencido ruía.
Ao
retornar à pátria após a vitória, o povo vencedor iniciava a construção de
novas fortalezas, assim como o povo vencido, envelhecia. Em breve, seria a vez
de enfrentar uma nova geração.
Uma
opção ao litígio 
Esta
parece ser a marcha inexorável da humanidade. No entanto, ao homem singular,
infinitas possibilidades se apresentam. Pode construir seus valores sem negar
os dos demais, sem travar combates ou debates com visões divergentes. Ao
contrário, pode ampliar sua visão de mundo por meio do diálogo com o diferente.
Por
este caminho, não haveria necessidade de construir ou destruir muralhas,
fortalezas, prisões. O outro, o diferente, não é inimigo, mas sim uma
oportunidade de crescimento. É um avanço no desenvolvimento da consciência de
que todos nós somos parte do cosmos.
Campina
Grande, 04 de junho de 2019.
Anexo: Uma leitura possível do poema
Testemunho do Autor
Escrevi
Construindo e Demolindo Fortalezas num momento em que me vi cercado por
muros — alguns erguidos por mim, outros herdados de gerações passadas. O poema
nasceu da inquietação diante desses limites: até que ponto eles nos protegem, e
quando começam a nos aprisionar?
A
metáfora das fortalezas me pareceu natural. Cresci ouvindo histórias de Dona
Creusa, mulher forte, de valores sólidos, que construiu sua vida como quem
levanta muralhas. Mas também vi, nas gerações mais novas, o ímpeto de romper
essas estruturas, de abrir espaço para o novo. Essa tensão entre preservar e
transformar é o fio condutor da primeira parte do poema.
Na
segunda parte, quis ampliar o olhar. Percebi que essa dinâmica não é apenas
familiar — é histórica. Impérios se erguem e caem, civilizações constroem
monumentos e depois os abandonam. Há uma cadência quase inevitável entre
criação e ruína, como se a humanidade estivesse sempre reconstruindo a si mesma
sobre os escombros do que foi.
Mas
não queria terminar o poema com um tom fatalista. Na terceira parte, proponho
uma alternativa: o diálogo. A escuta. A compreensão mútua. Talvez seja possível
construir sem destruir, ou ao menos demolir com respeito, reconhecendo o valor
do que veio antes. Essa é a esperança que permeia os versos finais.
A
obra, para mim, é uma tentativa de conciliar opostos. De reconhecer que há
beleza tanto na pedra que ergue quanto na que cai. Que o tempo nos transforma,
mas também nos ensina. E que, no fim, fazemos parte de uma mesma arquitetura
cósmica — feita de encontros, rupturas e reconexões.
Se
esse poema tocar alguém, que seja como um convite: a olhar para suas próprias
fortalezas, e decidir, com coragem e ternura, quais merecem ser mantidas — e
quais precisam ser derrubadas.
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