Ressurreição e Transformação: Narrativas de Morte e Renascimento nas Tradições Bíblica, Maçônica e Egípcia

Luiz Carlos Silva – LuCaS

Origem do artigo

 

Após os trabalhos no templo, costumamos nos reunir na Sala dos Passos Perdidos para prolongar a satisfação de estar entre irmãos. Quinta-feira, dia 28/11/2024, não foi diferente. Após a degustação de vinho e pão, entregamo-nos à ágape, um ritual sagrado para o maçom, que transcende a mera satisfação da fome. É um momento de introspecção e conexão com os valores fundamentais da Ordem. Nele, a fraternidade é nutrida, a espiritualidade é fortalecida e a busca pela perfeição é reafirmada.

 

Em geral, há uma abertura ao diálogo e os irmãos manifestam suas compreensões sobre um tema de interesse do grupo. Nessa ocasião, o irmão Carlos Porto trouxe como tema a ressurreição de Lázaro de Betânia. Aí se manifestaram livremente os irmãos Luiz Carlos, Hiran de Melo, Arlindo Rodrigues e Jorge Bezerra. No final, o irmão Luiz Carlos se comprometeu a elaborar um texto reunindo as contribuições de cada irmão e hoje ele se apresenta disponível para a apreciação de todos os irmãos.

 

Introdução

 

Lázaro de Betânia é uma figura notável na tradição cristã, conhecido principalmente pela narrativa de sua ressurreição realizada por Jesus Cristo, conforme descrito no Evangelho de João. Esta história não apenas demonstra o poder de Jesus sobre a morte, mas também tem sido interpretada de diversas maneiras ao longo dos séculos. Este conjunto de textos explora diferentes perspectivas sobre a figura de Lázaro, desde a sua importância bíblica até interpretações místicas e esotéricas que sugerem paralelos com ritos de iniciação espiritual.

 

No primeiro texto, discutimos a história de Lázaro de Betânia, abordando seu papel na Bíblia e o milagre de sua ressurreição. Esta narrativa destaca a importância de Lázaro como amigo íntimo de Jesus e como símbolo da promessa de vida eterna.

 

O segundo texto explora uma interpretação alternativa, sugerindo que a ressurreição de Lázaro pode ser vista como uma cerimônia de iniciação espiritual. Este ponto de vista apresenta a ideia de morte e renascimento como uma metáfora para a transformação pessoal e o despertar espiritual.

 

O terceiro texto examina os paralelos entre a história de Lázaro e a lenda de Hiram Abiff, uma figura central na Maçonaria. Ambos os relatos envolvem temas de morte, ressurreição e transformação, e são utilizados para transmitir mensagens profundas sobre perseverança, virtude e a busca por conhecimento.

 

Finalmente, o quarto texto introduz a lenda de Osíris, uma das mais antigas e importantes mitologias egípcias, que também trata de morte e ressurreição. Osíris, assassinado por seu irmão Seth e posteriormente ressuscitado por sua irmã e esposa Ísis, é um símbolo poderoso de regeneração e continuidade da vida.

 

Juntos, esses textos oferecem uma visão abrangente e multifacetada da figura de Lázaro e suas conexões com outras tradições de morte e renascimento, convidando os leitores a explorar as diversas interpretações e significados dessas narrativas.

 

Lázaro de Betânia: O Milagre da Ressurreição

 

Lázaro de Betânia é uma figura bíblica conhecida principalmente por ser o amigo de Jesus que ele ressuscitou após quatro dias de sua morte, conforme narrado no Evangelho de João. Ele era irmão de Marta e Maria, e vivia na aldeia de Betânia, a cerca de três quilômetros a sudeste de Jerusalém.

 

A história de Lázaro é um dos milagres mais famosos de Jesus, demonstrando seu poder sobre a morte e prefigurando sua própria ressurreição. Quando Lázaro adoeceu gravemente, Jesus foi chamado para curá-lo, mas chegou apenas após sua morte. Jesus então orou a Deus e ordenou que Lázaro saísse da tumba, e ele ressuscitou, coberto de ataduras.

 

Após sua ressurreição, Lázaro viveu mais trinta anos e, segundo a tradição, se tornou o primeiro bispo de Marselha. Ele é venerado como santo pela Igreja Católica, Igreja Ortodoxa, Igreja Anglicana e Igreja Luterana.

 

A interpretação da ressurreição de Lázaro como uma cerimônia de iniciação é uma perspectiva que tem sido discutida em alguns círculos esotéricos e místicos. Segundo essa interpretação, a história de Lázaro poderia simbolizar um rito de passagem ou renascimento espiritual.

 

Rito de Passagem: A morte e a ressurreição de Lázaro poderiam ser vistas como uma metáfora para a transformação pessoal e espiritual. Assim como Lázaro foi trazido de volta à vida, um iniciado em um caminho espiritual ou esotérico pode passar por uma "morte" simbólica de seu antigo eu e renascer para uma nova vida com maior compreensão e sabedoria.

 

Renascimento Espiritual

 

Nos ensinamentos esotéricos, muitas tradições utilizam a ideia de morrer e renascer para simbolizar o processo de iluminação ou alcançar um novo nível de consciência. A ressurreição de Lázaro, nesse contexto, pode representar um despertar espiritual e a ascensão a um estado superior de ser.

 

Iniciação: Em várias escolas de pensamento esotérico e místico, a iniciação é um processo em que o iniciado passa por rituais que simbolizam morte e renascimento, purificação e renovação. A história de Lázaro pode ser vista como uma analogia para tais rituais de iniciação, onde o indivíduo emerge transformado e com uma nova percepção da vida.

 

Devo esclarecer que essa interpretação não é a visão tradicional da história bíblica, mas ilustra como diferentes tradições e escolas de pensamento podem encontrar novos significados em textos antigos, explorando camadas simbólicas e metafóricas para extrair ensinamentos espirituais profundos.

 

Hiram Abiff: O Mestre Maçom e Seu Simbolismo

 

A lenda de Hiram Abiff, uma figura central na Maçonaria, compartilha paralelos interessantes com a ressurreição de Lázaro e outras analogias de morte e renascimento.

 

Aqui estão alguns pontos de comparação:

 

Morte e Ressurreição: Tanto Hiram Abiff quanto Lázaro são associados a histórias de morte e ressurreição. Hiram Abiff é morto por três companheiros maçons e, posteriormente, ressuscitado simbolicamente. Da mesma forma, Lázaro é ressuscitado por Jesus após quatro dias de sua morte.

 

Rito de Iniciação: A lenda de Hiram Abiff é frequentemente interpretada como um rito de iniciação na Maçonaria, onde o iniciado passa por um processo de morte simbólica e renascimento espiritual. Isso é similar à ideia de um rito de passagem ou renascimento espiritual na ressurreição de Lázaro.

 

Simbolismo de Transformação: Ambas as histórias simbolizam uma transformação significativa. Para Hiram Abiff, é a transição de um mestre construtor para um símbolo de sabedoria e aprendizado na Maçonaria. Para Lázaro, é a transição da morte física para a vida eterna, simbolizando a vitória sobre a morte e a promessa de vida eterna.

 

Mensagem de Perseverança e Virtude: Ambas as histórias transmitem mensagens de perseverança, virtude e a importância de manter a integridade. Hiram Abiff mantém sua fidelidade aos segredos maçônicos até o fim, e Lázaro é ressuscitado como um testemunho da fé e do poder de Jesus.

 

Osíris: O Deus Egípcio da Ressurreição

 

A história de Osíris é uma das mais antigas e importantes mitologias egípcias, que também trata de morte e ressurreição. Osíris é conhecido como o deus da morte, da ressurreição e do submundo, além de ser associado à fertilidade e à regeneração. Ele é filho de Geb (a Terra) e Nut (o Céu) e irmão de Ísis, Néftis e Seth. Osíris se torna o rei do Egito e governa com sabedoria e justiça, ensinando os egípcios a praticar a agricultura e a adorar os deuses. Porém, o ciumento irmão de Osíris, Seth, conspira para matá-lo.

 

Seth engana Osíris para que ele entre em um caixão feito sob medida, tranca-o e o joga no Nilo. O corpo de Osíris é encontrado por Ísis, sua esposa e irmã, que o esconde. Seth, no entanto, descobre o corpo e o desmembra, espalhando os pedaços pelo Egito. Ísis, com a ajuda de sua irmã Néftis, localiza e reúne os pedaços do corpo de Osíris. Utilizando seus poderes mágicos, Ísis consegue ressuscitá-lo temporariamente. Durante esse breve período, Ísis concebe Hórus, que mais tarde vingará a morte de seu pai e se tornará um grande deus egípcio. Após sua ressurreição, Osíris não retorna ao mundo dos vivos de forma plena. Em vez disso, ele se torna o rei do submundo (Duat), onde julga as almas dos mortos.

 

Osíris é frequentemente representado como um faraó mumificado, segurando os símbolos de poder, o cetro e o flagelo. A história de Osíris simboliza a vitória sobre a morte e a promessa de vida eterna. Sua ressurreição é um dos primeiros exemplos de crença na vida após a morte, uma ideia que permeou a cultura egípcia e influenciou outras religiões.

 

Osíris também está associado ao ciclo anual das cheias do Nilo, que traziam fertilidade à terra. Seu mito é um reflexo do ciclo de morte e renascimento observado na natureza. Como juiz dos mortos, Osíris simboliza a justiça e a ordem. Ele é responsável por pesar o coração dos falecidos contra a pena de Maat (a deusa da verdade e justiça) para determinar a pureza e a dignidade das almas. A lenda de Osíris é rica em simbolismo e tem uma profundidade que ressoa até hoje. Ele é um dos deuses mais adorados do panteão egípcio e sua história continua a fascinar estudiosos e entusiastas da mitologia.

 

Considerações finais

 

À medida que navegamos pelas fascinantes narrativas de Lázaro, Hiram Abiff e Osíris, somos lembrados da universalidade dos temas de morte e ressurreição, transformação e renovação espiritual que permeiam diversas culturas e tradições. Essas histórias, cada uma rica em simbolismo e profundidade, nos oferecem uma visão única sobre como diferentes sociedades compreendem e celebram a continuidade da vida além da morte.

 

Lázaro, ressuscitado por Jesus, simboliza a promessa de vida eterna e o poder divino sobre a morte, oferecendo conforto e esperança aos fiéis. Hiram Abiff, com sua lenda de morte e ressurreição, representa a perseverança, a integridade e a busca incessante pelo conhecimento, valores centrais na Maçonaria. Já Osíris, com sua história de desmembramento e reconstituição, simboliza a fertilidade, a regeneração e a justiça, refletindo os ciclos naturais e a crença na vida após a morte no antigo Egito.

 

Essas narrativas não são apenas histórias de tempos passados, mas poderosas metáforas que continuam a inspirar e guiar indivíduos em suas jornadas espirituais e pessoais. Elas nos convidam a refletir sobre nossas próprias experiências de transformação, os desafios que enfrentamos e as ressurreições simbólicas que vivemos em nossas vidas cotidianas.

 

Ao concluirmos este estudo, somos incentivados a ver além das superfícies das tradições e a explorar as profundezas dos ensinamentos que elas nos oferecem. Que possamos carregar conosco as lições de perseverança, renovação e esperança que essas histórias nos proporcionam, e que elas nos inspirem a buscar constantemente nosso próprio crescimento espiritual e pessoal.

 

Agradecemos por nos acompanhar nesta jornada de descoberta e reflexão, e esperamos que as histórias de Lázaro, Hiram Abiff e Osíris continuem a ressoar em seus corações e mentes.

 

Mestre Luiz Carlos Silva – Grande Delegado Litúrgico da 1ª INSPETORIA LITÚRGICA DA PARAÍBA, oriente de Campina Grande, 01 de dezembro de 2024.


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