O Sagrado Feminino - A Natividade no cotidiano


25 de dezembro é para vários povos e civilizações o marco do nascimento do Sol, do Dia de Luz, da Vida. Assim é que nesta data muita são os ritos da natividade que são praticados na atualização do mito. Para os cristãos 25 de dezembro é a data comemorativa do nascimento do Amor, do Deus Amor. O amor que se fez criança, que se fez menino, que se fez homem, que se deixou amar e que amou.

A palavra amor é tão presente no nosso cotidiano que raramente alguém se ocupa de refletir sob o seu significado e de apontar o seu sentido exato. Assim é que ouvimos afirmativas as mais diversas em que o verbo amar ou o substantivo amor se faz presente com significados conflitantes. Por exemplo: “Matou por amor”. “Morreu de tanto amar”. “Suicidou-se por amor”. “Não trabalha, não estuda, vive do amor de uma mulher”. “Eu amo aquele homem, mas ele só me faz sofrer”. E muitas outras. O amor e/ou o amar são apresentados nestas afirmativas tão comuns como causa de crimes contra o outro, ou contra si mesmo. O amor e/ou o amar são também apresentados como justificativa da exploração de um pelo outro. 

Se fossemos nos alongar apresentando as tantas outras presenças do amor ou do amar esta nossa breve intervenção não mais seria um simples artigo, mas uma coleção de livros. Só para lembrar a extensão deste Arco Íris, citemos o amor compaixão dos budistas, o amor pelo igual nos clássicos gregos, o amor como revelação da face, o amor compensação das carências... A lista ou o caminho é longo até chegar ao amor do Cristo.

O amor do Cristo se dá como um chamamento à acolhida da inteireza do outro e de si mesmo. É preciso que eu seja capaz de me amar para poder amar o diferente, o estranho, o próximo, como se queira denominar o outro. Amar a si mesmo não é apenas acolher o que existe de bom e útil em si mesmo. O lado de luz. É preciso também acolher, para poder fazer a passagem, ao que existe em nos que não apreciamos. Acolher as nossas limitações e fraquezas. O lado de sombra.

Para ultrapassar a sombra, o nosso deserto, é necessário olhá-la de frente, não a esconder. Em verdade somos fortes e somos fracos, somos heróis e somos covardes, somos presentes e somos omissos, somos sadios e somos doentes. Somos masculinos – vigor - e somos femininos - ternura. O mundo é tudo isto, e não fazemos apenas parte do mundo, somos uma célula do mundo que contém em escala menor tudo que o mundo contém em grande escala.

A Tradição resume tudo que foi acima escrito em uma simples sentença: o que existe encima é igual a que existe embaixo.

Amar o nosso inimigo não é apenas um convite a perdoar a quem nos faz o mal, mas em primeiro lugar acolher o que em nós mesmos não aceitamos. Desde um fio de cabelo branco que nos informa a proximidade da páscoa, até uma fraqueza moral. A Tradição informa que o contrário do amor não é o desamor, mas o medo. Assim, por exemplo, a não aceitação da terceira idade é devido ao medo do que ela provoca e do que ela não permite mais. Amar em nós a terceira idade é aceitar não só as vantagens (a luz), mas as limitações (a sombra) que ela nos traz. 

Citemos um vício tão comum entre nós: o consumo do álcool. É preciso se reconhecer alcoólatra para poder a passagem pelo alcoolismo. Beber escondido, ou dizer que bebe apenas socialmente é não acolher esta parte de si mesmo. Rejeitá-la apenas nos torna mais fraco.

A Tradição nos informa que os cidadãos de uma localidade eram frequentemente vítimas de ladrões. Várias prisões foram construídas, mas os crimes se repetiam com novos autores. Até que São Francisco recomendou que se deixasse em um lugar público alimentos e dinheiro para os necessitados. Os roubos foram diminuindo até que os ladrões se converteram e se tornaram frades. Frei Leonardo Boff comenta este fato brincando e fazendo os ouvintes rirem com as seguintes palavras: é por esta razão que até hoje existem ladrões entre os franciscanos.

Se não é possível acolher a nossa própria inteireza, como acolher a inteireza do outro? Como amar o outro sabendo de prévio aviso que tudo é passível de uma grande ingratidão? O Cristo na Cruz é um aviso perene.

A Tradição informa: tudo que é composto se decompõe com o tempo. Assim ter apego pelo transitório é não só perder a oportunidade de viver verdadeiramente e amar uma grande ilusão, mas principalmente é alimentar uma fonte de sofrimento.

No dia 25 de dezembro costumamos, quando possível, nos reunir em família. Alguns têm à graça de ter ao seu lado a bem-amada. Em muitas a marca do tempo se faz presente, mesmo que escondidas pelos cosméticos e tintas. É necessário neste instante e sempre acolhê-la pelo que ela é agora, não pelo que ela foi ou pelo que ela representa. A amar a Presença na pessoa amada.

Desde as civilizações mais antigas, passando pelos egípcios e hebreus, que se canta nas noites de bodas um cântico que hoje atualizado pela tradição semítica apresenta-se assim:

Eu sou negra, todavia sou bela. Ò filhas de Jerusalém. Sou como tendas de Cedar, como os pavilhões de Salma.

Padre Leloup nos informa que as tendas de Cedar eram tendas armadas no deserto pelos nômades cearenses, cobertas de pele queimadas pelo sol e enegrecidas pela violência do vento. Os pavilhões de Salma eram tendas leves, brilhantes, enfeitadas com bandeiras de todas as cores.

Aos meus cinquenta e cinco anos devo ter olhos do poeta para ver na minha bem-amada que “ela é cheia de cores frescas e ao mesmo tempo enegrecidas, pela vida que levou e pelas feridas que a vida lhe deu”. Compreender que ela está ferida, que ela está negra, mas é bela. Mas, é claro, para ter esta compreensão, preciso também eu enxergar que sou como tendas de Cedar, como os pavilhões de Salma. Estou ferido, estou negro, mas sou belo. Aceitar minha inteireza, para poder aceitar a inteireza do outro. E é precisamente nesta acolhida mútua do bem-amado e da bem-amada, nesta relação respeitosa e plena de compaixão que o amor existe.

Amado Irmão, Amada Irmã, não espere cinquenta e tantos anos para adquirir esta compreensão do significado da natividade do Cristo em você. Viva plenamente sua inteireza. Não sofram pelas suas fraquezas, elas estão ai para ser acolhidas e lhes ensinar a enxergar melhor o outro, aprender a amar a tudo e a todos com os olhos da compaixão, da misericórdia. Com um olhar e um sorriso de criança que sempre existirá em nós.

Podemos olhar para o céu como crianças que fomos e vermos diferentemente dos cientistas, que o Sol nasce, morre, vive e more para nos iluminar. Mas só por um breve instante, ao meio dia, não existe uma sombra a nos acompanhar. Neste momento a sombra foi suprimida, vivemos um instante de pura luz.

Com este olhar de criança desejamos que neste próximo dia 25 de dezembro seja um momento de plena e Pura Luz na sua vida, de modo que a natividade atualizada – o nascimento do Deus Amor - esteja presente no seu cotidiano.

Poeta Hiran de Melo - Mestre Instalado, Cavaleiro Rosa Cruz e Noaquita - oráculo de Melquisedec, ao Vale do Mirante, 22 de dezembro 2007. 

https://www.youtube.com/watch?v=86He6TF6pnY


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